Comentario:
Apesar da língua e de um fundo histórico e cultural comuns, as relações entre Portugal e o Brasil têm sido reconhecidamente permeadas por um sentimento de estranhamento ou desconforto mútuo, mesmo quando no plano estatal – sobretudo em períodos de coincidência ideológica e política dos regimes que os governam – se registam avanços em termos de acordos e tratados celebrados em diversas áreas. Esse estranhamento opera como fator inibitório do aprofundamento das relações, que estão aquém da intensidade registada noutros casos de relacionamento entre a ex-potência colonial e as ex-colónias, designadamente os Estados Unidos com a Inglaterra e a Espanha com os países latino-americanos. Essa situação de latência não inteiramente realizada entre Portugal e o Brasil já foi caracterizada como “parceria inconclusa”. Paralelamente, regista-se entre os dois países um défice de comunicação, que tanto pode derivar desse sentimento de desajustamento mútuo como estar, até, na sua origem. Em qualquer caso, essa (in)comunicação tende a reforçar o estranhamento e vice-versa, num perpetuum mobile em que ambos mutuamente se alimentam. Investigar as origens dessa realidade, sondar na História do passado comum as razões desse estranhamento e dessa (in)comunicação – este o objetivo do presente estudo. Para tal, procedeu-se a um levantamento historiográfico relativamente detalhado, acompanhando em simultâneo os juízos e interpretações de caráter político e sociológico que os acontecimentos foram suscitando logo na época em que ocorreram ou como foram integrados nos estudos e narrativas posteriores ao longo do processo, muitas vezes contraditório, de construção da(s) respetiva(s) identidade(s). A investigação mostrou que não estamos perante fenómenos transitórios de fácil superação. O afastamento entre Portugal e o Brasil – traduzido nesse sentimento de estranhamento e nessa (in)comunicação – tem raízes profundas: surgiu em situações históricas de reiterados confrontos e consolidou-se ao longo de dois séculos nas narrativas históricas e sociológicas, tendo depois os seus termos sido absorvidos pelos sistemas escolar e mediático, que os consolidaram – pela repetida popularização – no próprio senso comum. Ainda que sempre acompanhado e contrariado por uma corrente lusófila, o antilusitanismo – um dos fatores que gerou e alimenta esse sentimento e essa situação – não é, portanto, algo de efémero: está na génese da própria nacionalidade, o que obviamente dificulta qualquer ação que tenha por objetivo superá-los. Identificadas as raízes do estranhamento e da (in)comunicação, o autor procurou, no final da investigação e à luz das teorias e práticas já existentes, apontar, em traços gerais, o que poderia eventualmente ser feito para ao menos mitigar esse sentimento profundo que paira sobre o relacionamento entre Portugal e o Brasil.
Sinopse do Livro: Portugal-Brasil – Raízes do Estranhamento (Carlos Fino)
A relação entre Portugal e o Brasil tem sido descrita como uma experiência de ambiguidades geradora de estranhamento. Se, por um lado, se reconhece existir proximidade histórica, por outro, é notório que o vínculo entre os dois países é muito menos intenso do que faria supor a partilha de uma mesma língua e um passado de três séculos de convívio sob governo comum.
Em nenhum outro lugar da sua aventura pelo mundo os portugueses se enraizaram tão profundamente como no Brasil, Apesar disso, há já dois séculos, o desfasamento dos respectivos discursos culturais – ambos marcados pelo ressentimento – não podia ser maior: o Brasil sempre procurando obliterar a memória da sua inegável raiz lusitana (“o ato fundador português”, na expressão de Eduardo Lourenço) e Portugal, numa perene nostalgia imperial, repetindo sem cessar os lugares comuns dos “laços de sangue” que os brasileiros simplesmente recusam ou não querem recordar.
Foi esta percepção genérica que motivou o trabalho de investigação apresentado na obra de Carlos Fino; inspirado, por um lado, pela constatação de Amado Luiz Cervo de que “algo especial governa as relações entre Brasil e Portugal, parceria eternamente inconclusa” e pela interrogação que o historiador brasileiro se coloca e fizemos nossa: “Que mistério existe a desafiar a compreensão das relações bilaterais?”
Por outro lado, como escreveu Maria de Lourdes Soares, se há ainda, em termos de distância cultural, “tantas léguas a nos separar, tanto mar”, conforme versos de Chico Buarque, como fazer desse mar tamanho “um mar que unisse, já não separasse”, como sonhou Pessoa?”
Carlos Fino:
O jornalista português, Carlos Fino nasceu em 1949, em Lisboa, mas viveu a sua infância em Fronteira, no Alto Alentejo. Apesar de licenciado em Direito, acabou por optar pela carreira de jornalista, na qual se estreou no início dos anos 70. Destacou-se como repórter de televisão, ao serviço da Radiotelevisão Portuguesa. Começou a ser conhecido dos portugueses através do trabalho que desenvolveu em Moscovo (1976-1982), na ex-União Soviética, onde era correspondente do canal estatal português.