As democracias modernas têm sua origem nas formas de governo nascidas das experiências históricas da monarquia constitucional inglesa, da república norte-americana e da revolução francesa. No campo das ideias, o liberalismo, em suas várias correntes, impôs-se na formulação dos princípios ideológicos e dos modelos teóricos. Da conjugação das três experiências históricas e dos diversos matizes do pensamento liberal, há alguns elementos passíveis de serem identificados como inerentes à democracia moderna.
Um deles é ser seu fundamento o governo representativo, e não, portanto, a democracia direta: isto significa que as decisões são tomadas por representantes eleitos pelos cidadãos, ou seja, não pelos cidadãos nem por seus delegados. Isto traz consequências aparentemente óbvias, nem por isso desimportantes.
É um senso comum acreditar que, para haver democracia, o compromisso do representante com seu eleitor deve ser o de realizar promessas de campanha, dedicando seu mandato a cumpri-las fielmente. Mas não é este o princípio que rege um governo representativo. Desde a origem desse tipo de governo, os representantes eleitos gozaram de autonomia para tomar decisões. Uma autonomia necessária.
Qual seria o sentido de formarem uma assembleia e debaterem questões políticas, se atados aos anseios prévios de seus eleitores, sem autonomia decisória? Mas se os representantes têm e devem ter autonomia para decidir, como se estabelece uma relação de representação? Em que medida representam, então, seus eleitores? Em que medida é garantido um compromisso entre eleitor e representante? Como o grande paradoxo da democracia representativa pode ser e é — se não eliminado — racionalizado e equacionado?
Esse compromisso, a essência desse tipo de democracia, baseia-se na liberdade de informação e na transparência dos debates e decisões parlamentares. Pois se os representantes eleitos não podem, para participar de uma assembleia política (que deve decidir e legislar sobre inúmeros aspectos políticos, práticos e legais e pactuar demandas contraditórias ou concorrentes) ater-se de modo puro e duro a compromissos de campanha, eles devem, em compensação, participar de tal assembleia de modo a poderem ser julgados politicamente pelos eleitores. O veredito desse julgamento será dado a posteriori, nas eleições seguintes.
O representante será, assim, julgado durante seu mandato pela opinião pública — daí a necessidade de debates e votos abertos na assembleia de representantes, bem como da liberdade de imprensa —, e receberá um veredito ao se candidatar à reeleição.
A alternância de poder emerge como um mal necessário. Pois o primeiro e mais fundamental pressuposto do governo representativo é que aqueles que exercem o poder não são aqueles que detêm a soberania. A soberania pertence à nação (ou ao povo), não ao Estado, muito menos ao governo; daí ele ser formado por representantes — dos detentores da soberania. Se a soberania popular é intransferível a não ser por usurpação (como nas ditaduras), o exercício do poder não pode ser permanente. Pois a permanência no poder se transforma, na prática, em usurpação do poder, uma vez que a soberania popular é impedida de se reafirmar, não apenas por um novo mandato, mas igualmente por novos mandatários, sempre provisórios em função da permanência da soberania popular.
Voltando ao início, se os representantes não podem se ater de modo automático a compromissos específicos de campanha, eles devem, por outro lado, firmar e realizar grandes compromissos programáticos. De modo semelhante, se a necessária alternância do poder parece ser (e relativamente é) uma restrição da soberania popular, ela se dá em nome da própria manutenção dessa soberania e de sua intransferibilidade para além da representação por tempo limitado.
Por Luis Dolhnikoff.