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O português
por Matteo Bergamini
Chegou sem falar. Não o conhecia. Chegou feito corpo estranho na minha frente e eu não tive um só minuto para fugir dele. Foi tão rápido. Somente algumas coisas na vida não precisam de ser interrogadas; devemos aceitá-las. Foi uma canção ou uma ideia, sei lá. Eu estava ali, sentado no meu sofá, pensativo mas sem pensar, assim pasmo que parecia-me de explodir.
O mundo estava cheio de desgraças, e eu precisava de um cantinho no qual esquecer tudo. Ele vinha feito droga. Sempre tive relações com ele, mas foram rápidas, nunca tive tempo de acostumar-me com a sua presencia. Foram momentos: e aí, beleza? Como vai? Que lindo! Obrigado. Até logo.
Naquele dia, ele chegou e eu lhe abri a porta sem saber de nada. Deu-me, de repente, a primeira pancada: peguei e gostei.
Não fiz em tempo a pensar “Deixa pra lá meu querido, são bobagens, porque embarcar-se com uns desconhecidos”. Sabe-se: a curiosidade mata o gato.
Dali em diante aconteceram muitas coisas que nem sei explicar: olhei no abismo e – ainda – fiquei fascinado. Era muito tempo sem arrepender-me e agora, direito por direito, ele veio com uma força especial, cada dia mais poderoso: um amante com as suas mãos e o seu olhar a apertar o meu cérebro, o meu pescoço.
A minha alma inquieta recolhia o desafio.
Hoje lutamos; ele bate na minha cara, persegue-me, algumas noites vem nos meus sonhos e eu não consigo parar de ouvi-lo; ele aparece e eu me sinto escravo dele. Eu sinto sede dele. Cada dia o espero na esquina, cada dia o procuro com vontade de possui-lo mesmo que ele me machuque e me deixe sangrento com as minhas dúvidas, com palavras que não conheço, falando-me dum jeito que encanta e mata.
É uma estória louca, umas daquelas que não podemos saber se terá um final feliz ou, pelo contrário, acabará com uma decepção sem fim.
É uma estória sem utilidade nenhuma; não traz dinheiro, não transmite negócios certos.
Embora seja estranho eu quase estou com raiva de não tê-lo encontrado antes mas, pois é, talvez não era tempo.
Ele é o novo filho de uma mudança que ainda não reconheço; olho-o para atrás, de lado, com curiosidade. Ele é a ideia de amanhã, mesmo que ainda seja noite. Como será a madrugada desta aventura? Como o dia que virá?
Quiçá o que vai acontecer agora: ele dormirá comigo, acordará comigo, andará comigo pelas ruas do meu futuro? Dar-me-á o que eu preciso? Deixar-me-á desesperado depois todo o tempo que lhe dei?
Impossível ler o futuro quando a atropelada é dada: vão contar-se os danos com a ajuda do tempo e por isso, para mim, ainda é cedo ter uma ideia precisa do que ele me fez.
Penso nele como as férias esperadas; falo dele com espanto e carinho; lembra-me paisagens, praias, notas de violão, vozes suaves, o mar, o sol, a violência, a solidão, tiros, choros, risos, pobreza, grosseira, doçura. Eis: ele nunca me deixou indiferente e hoje em dia acho que seja uns dos melhores presentes que se podem receber.
Ainda que ele esteja um bicho selvagem com o qual não é fácil pegar confiança, ele já me levou longe, pondo-me na condição de brincar com o meu estranho desejo de apresentar-me para outra pessoa, começando a sua presença em mim.
Texto escrito pelo aluno C1 de Lingua Portuguesa: Matteo Bergamini (1984) è un giornalista, critico d’arte e curatore. Dal 2012 lavora per il magazine Exibart.com e dal 2017 ne è direttore responsabile. Inoltre, dal 2018 collabora e scrive per D La Repubblica.